Juventude e Ação Climática: Protagonismo, Transformação e Construção de um Futuro Sustentável

Um Movimento Global de Dimensões Históricas

A emergência da juventude como força motriz na luta contra as mudanças climáticas representa um dos fenômenos sociopolíticos mais significativos do século XXI. O que começou em agosto de 2018, quando uma estudante sueca de 15 anos decidiu faltar às aulas para protestar em frente ao parlamento de seu país, rapidamente se transformou em um movimento global de proporções sem precedentes.

Greta Thunberg, ao iniciar suas “greves escolares pelo clima” (school strike for climate), catalisou a frustração e a ansiedade de toda uma geração que percebe as mudanças climáticas não como uma ameaça abstrata e distante, mas como uma realidade concreta que já compromete seu futuro. O movimento Fridays for Future, nascido desta iniciativa individual, mobilizou em seu auge mais de 7,6 milhões de jovens em 185 países, realizando a maior manifestação climática da história em setembro de 2019.

Este engajamento juvenil se distingue de movimentos ambientalistas anteriores por características específicas:

  • Urgência e radicalidade: Rejeitando o gradualismo e as meias-medidas, jovens ativistas exigem ações imediatas baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis.
  • Dimensão ética e intergeracional: A narrativa central ressalta a injustiça de gerações anteriores comprometendo o futuro das próximas, demandando responsabilidade intergeracional.
  • Globalidade e inclusividade: O movimento transcende fronteiras nacionais e busca incorporar perspectivas diversas, especialmente de comunidades mais vulneráveis aos impactos climáticos.
  • Domínio de ferramentas digitais: Nativos digitais utilizam redes sociais e plataformas online não apenas para coordenação, mas para criar narrativas alternativas àquelas dos meios tradicionais.
  • Conexão entre ciência e ação política: Diferentemente de movimentos anteriores, há forte ênfase no respeito ao consenso científico e na cobrança para que decisões políticas sejam baseadas em evidências.

O Papel das Redes Sociais e da Mobilização Digital

A expansão meteórica dos movimentos juvenis pelo clima seria impensável sem as ferramentas digitais que permitiram superar barreiras geográficas, econômicas e linguísticas. Plataformas como Instagram, TikTok, Twitter (X) e WhatsApp transformaram-se em poderosos instrumentos de:

  • Coordenação descentralizada: Permitindo organização simultânea de atos em centenas de cidades sem estrutura hierárquica rígida.
  • Amplificação de vozes marginalizadas: Dando visibilidade a ativistas de países do Sul Global e comunidades frontalmente afetadas por desastres climáticos.
  • Tradução do conhecimento científico: Transformando dados complexos do IPCC e de publicações científicas em conteúdo acessível e mobilizador para públicos não especializados.
  • Monitoramento cidadão: Criando redes de vigilância sobre desmatamento, poluição e outros crimes ambientais com uso de aplicativos e sensores conectados.
  • Pressão direcionada: Organizando campanhas específicas contra empresas, investidores e políticos que bloqueiam políticas climáticas ambiciosas.

Análises de tráfego digital mostram que hashtags como #ClimateStrike, #FridaysForFuture e #YouthForClimate geraram mais de 8,2 bilhões de impressões entre 2019 e 2023, enquanto “influenciadores climáticos” como Jerome Foster II, Vanessa Nakate e Luisa Neubauer alcançaram audiências cumulativas superiores a 25 milhões de seguidores.

No entanto, a mobilização digital enfrenta desafios significativos, como algoritmos que favorecem polarização, desinformação climática organizada e “slacktivism” (ativismo superficial que não se traduz em mudanças comportamentais ou políticas concretas).

O Movimento Climático Juvenil no Brasil

No contexto brasileiro, o ativismo climático juvenil apresenta características próprias, refletindo tanto tendências globais quanto especificidades nacionais. Entre 2019 e 2024, formaram-se mais de 320 coletivos juvenis com foco em questões socioambientais, distribuídos por todas as regiões do país.

Principais Frentes de Atuação

  • Proteção de biomas ameaçados: Iniciativas como o “Engajamundo” e “Fridays For Future Brasil” têm mobilizado jovens em defesa da Amazônia, Cerrado e outros biomas ameaçados, realizando mais de 200 manifestações em 76 cidades brasileiras nos últimos cinco anos.
  • Justiça climática e racial: Coletivos como “Vozes da Periferia pelo Clima” conectam a pauta climática a questões de justiça socioambiental, destacando como comunidades negras, indígenas e periféricas são desproporcionalmente afetadas por eventos climáticos extremos.
  • Litigância climática: A “Aliança Jovem pela Ação Climática” participou da elaboração de seis ações judiciais estratégicas contra o Estado brasileiro por omissão em políticas climáticas, com destaque para o caso “Jovens pelo Clima vs. Brasil” no Supremo Tribunal Federal.
  • Incidência política local: O programa “Juventude e Clima nas Cidades”, presente em 43 municípios, tem capacitado jovens para participação em conselhos municipais de meio ambiente e elaboração de planos locais de adaptação climática.
  • Empreendedorismo verde: Iniciativas como o “Prêmio Jovem Inovação Climática” já reconheceram mais de 120 startups e projetos liderados por jovens nas áreas de agricultura regenerativa, economia circular e mobilidade sustentável.

Iniciativas de Impacto

Além dos movimentos de protesto e advocacy, jovens brasileiros têm desenvolvido projetos concretos com impactos mensuráveis:

  • Engaja Floresta: Rede de 17 viveiros comunitários geridos por jovens em áreas periurbanas que já produziram mais de 1,5 milhão de mudas nativas para restauração de matas ciliares.
  • Ciclovida: Cooperativa de cicloentregadores que substituiu mais de 380 mil entregas que seriam feitas por veículos a combustão em 12 cidades brasileiras.
  • Rede Favela Sustentável: Presente em 28 comunidades de 9 estados, instalou sistemas de captação de água da chuva e hortas urbanas geridas por jovens, beneficiando mais de 13 mil famílias.
  • Observatório Jovem do Clima: Plataforma que monitora 64 indicadores ambientais em 2.500 municípios brasileiros, gerando relatórios que subsidiam políticas públicas e pressão social.
  • Aliança das Juventudes Indígenas pelo Clima: Congrega jovens de 37 etnias que desenvolvem projetos de etnoturismo, produtos florestais sustentáveis e educação ambiental baseada em conhecimentos tradicionais.

Perfil do Jovem Ativista Brasileiro

Pesquisa realizada pela UFMG e Instituto Clima e Sociedade com 2.300 jovens ativistas ambientais revelou características relevantes:

  • Diversidade regional: 38% atuam no Sudeste, 27% no Nordeste, 15% no Norte, 12% no Sul e 8% no Centro-Oeste.
  • Motivações: 72% citam “preocupação com o futuro” como principal motivador, seguido por “conexão pessoal com áreas naturais” (54%) e “injustiças socioambientais vivenciadas” (48%).
  • Barreiras percebidas: “Falta de recursos financeiros” (67%), “dificuldade de acesso a tomadores de decisão” (62%) e “descrédito por parte de adultos” (58%) foram os principais obstáculos relatados.
  • Impacto psicológico: 64% dos jovens ativistas relatam sintomas de eco-ansiedade (angústia relacionada à crise climática), enquanto 41% já experimentaram burnout ativista.

Educação Ambiental e Formação de Lideranças

A emergência do protagonismo juvenil nas questões climáticas está intrinsecamente ligada à ampliação do acesso ao conhecimento ambiental, tanto em espaços formais quanto informais de educação.

Educação Formal

Análises dos currículos escolares brasileiros mostram evolução significativa na abordagem das mudanças climáticas ao longo da última década:

  • A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), implementada a partir de 2018, incorporou temas como sustentabilidade e mudanças climáticas como objetos de conhecimento e habilidades específicas em diversas disciplinas.
  • Programas como “Escolas Sustentáveis” (MEC) e “Juventude e Meio Ambiente” (MMA) já alcançaram mais de 11.000 instituições de ensino, promovendo projetos práticos de sustentabilidade em ambientes escolares.
  • Universidades têm ampliado significativamente disciplinas e cursos específicos sobre crise climática, com aumento de 310% nas pesquisas acadêmicas relacionadas a clima entre 2015 e 2023.

No entanto, pesquisa do Instituto Península com 1.200 professores indicou que 73% sentem-se inadequadamente preparados para abordar questões climáticas em sala de aula, apontando deficiências na formação docente e materiais didáticos.

Educação Não-Formal

Paralelamente, multiplicam-se iniciativas de formação fora do sistema educacional tradicional:

  • Plataformas de e-learning: Cursos como “Emergência Climática” (USP/Coursera) e “Juventude pelo Clima” (WWF) já capacitaram mais de 180 mil jovens entre 15 e 29 anos.
  • Escolas de ativismo: Programas como “Climate Reality Leadership Corps” e “Engajamundo” formaram mais de 3.500 jovens lideranças em técnicas de comunicação, organização comunitária e incidência política.
  • Imersões e acampamentos: Iniciativas como “Youth Climate Camp” e “Virada Sustentável” combinam formação teórica com atividades práticas em biomas ameaçados, conectando jovens urbanos a realidades ambientais diversas.
  • Intercâmbios internacionais: Programas como GYCN (Global Youth Climate Network) e Youth Climate Leaders possibilitaram que mais de 650 jovens brasileiros participassem de conferências e projetos climáticos internacionais.

Estas iniciativas não apenas transmitem conhecimento técnico-científico, mas também desenvolvem habilidades essenciais para atuação climática efetiva, como pensamento sistêmico, comunicação estratégica, resolução colaborativa de problemas e resiliência psicológica.

Desafios e Barreiras ao Protagonismo Juvenil

Apesar do dinamismo e alcance das iniciativas juvenis pelo clima, estas enfrentam obstáculos estruturais significativos:

Barreiras Institucionais

  • Subrepresentação em espaços decisórios: Em 2023, apenas 4,7% dos assentos em conselhos ambientais no Brasil eram ocupados por pessoas com menos de 30 anos.
  • Tokenismo: Frequentemente, a participação juvenil em fóruns climáticos é superficial e simbólica, sem verdadeira influência nos processos decisórios.
  • Formalidades excessivas: Requisitos burocráticos para constituição de organizações, acesso a fundos e participação em editais frequentemente excluem grupos juvenis informais.
  • Descrédito geracional: Muitos jovens relatam enfrentamentos constantes com o ceticismo de lideranças mais velhas, que subestimam sua capacidade técnica, política e organizativa. Esse descrédito afeta desde a captação de recursos até a legitimidade de suas propostas em ambientes institucionais.
  • Desigualdades estruturais: A atuação juvenil pelo clima também é marcada pelas desigualdades sociais e regionais do Brasil. Jovens de periferias urbanas, áreas rurais e comunidades tradicionais frequentemente enfrentam dificuldades logísticas, econômicas e tecnológicas para sustentar sua atuação contínua, ainda que sejam os mais impactados pelas mudanças climáticas.

Caminhos para Fortalecer o Protagonismo Climático Juvenil

Superar essas barreiras exige ações coordenadas entre governos, sociedade civil, instituições de ensino, empresas e organismos multilaterais. Algumas estratégias fundamentais incluem:

1. Garantir espaços reais de decisão:
Ampliar a presença de jovens em conselhos, fóruns, conferências e colegiados com poder deliberativo sobre políticas ambientais e climáticas.

2. Fomentar financiamento direto:
Criar fundos públicos e privados destinados exclusivamente a iniciativas juvenis, com editais simplificados, menos burocracia e apoio técnico para elaboração de projetos.

3. Reformular a educação ambiental:
Investir na formação inicial e continuada de professores, produzir materiais pedagógicos atualizados e promover abordagens interdisciplinares e participativas nos currículos escolares.

4. Apoiar tecnologias acessíveis:
Expandir o acesso à internet, equipamentos e softwares livres para que jovens de todas as regiões possam se comunicar, organizar e monitorar impactos ambientais em suas comunidades.

5. Valorizar saberes diversos:
Reconhecer e integrar conhecimentos tradicionais, ancestrais e populares aos debates climáticos, especialmente os produzidos por juventudes indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas.

Conclusão: Juventudes como Centelha de Transformação

A juventude não é apenas o futuro — ela é o presente ativo e pulsante na construção de um mundo mais justo, resiliente e sustentável. Seus gritos ecoam nas ruas, suas ideias ganham corpo em projetos transformadores, e suas redes conectam continentes e causas. Mais do que vítimas de uma crise climática herdada, jovens têm se posicionado como agentes de mudança, articulando ciência, afeto, cultura e política em novas linguagens de engajamento.

O desafio agora é transformar esse potencial em políticas públicas concretas, investimentos duradouros e estruturas inclusivas que garantam a continuidade dessa revolução verde iniciada nos corações e nas mentes de quem ainda sonha — e age — por um planeta viável.

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